Lendo entrevista dada por ela à Revista Cristianismo Hoje, surpreendi-me e admirei essa mãe e avó, doravante lerei seus livros, reproduzo aqui uma parte, ela aborda assuntos como espiritualidade, internet, vendilhões da fé e os dias de hoje:
CRISTIANISMO HOJE – Você diz que a experiência poética é sempre religiosa. Escrever poesia é um ato de devoção a Deus, ainda que o poema não seja diretamente ligado à religiosidade?
ADÉLIA PRADO – A arte, querendo ou não, é religiosa em sua natureza íntima.
CH- Para você, o que significa servir a Deus? Você considera uma missionária da literatura?
AP- A literatura, não tendo missão – aliás, arte nenhuma tem –, não pode me fazer uma missionária. Servir a Deus, para mim, é aceitar minha precaríssima condição humana “fazendo as obras da fé”. No meu caso, isso inclui não fugir à vocação da poesia. Toda poesia narra e canta a glória de Deus nas criaturas, na obra de suas mãos.
CH- Como o trabalho de Adélia Prado se conecta com a religiosidade?
AP- Diuturnamente, sou convidada ao seu mistério como um boi que o carreiro acorda com o seu aguilhão. É ótimo que ele não nos dê sossego. Ele pede amor e atenção. Imagine o Criador “precisando” da criatura! Que não tenhamos mesmo sossego e acordemos do sono para a luz da consciência.
CH- Desde Bagagem, lançado em 1976, quais são seus livros favoritos no que se refere a essa experiência espiritual de escrever?
AP- Talvez mais condizentes seriam O pelicano, Oráculos de maio e Miserere; o romance O homem da mão seca e a novela Quero minha mãe. Mas, desde Bagagem, na poesia e na prosa, o religioso e a questão espiritual se encontram inapelavelmente – não como meta da escrita, mas como constitutivo da minha experiência humana.
CH- Em suas orações, o que você costuma dizer ao Senhor?
AP- A resposta será sempre de ordem muito pessoal. Posso dizer que sempre peço miserere. Sou muito “pidona”.
CH- Este é, aliás, o título de seu último livro pela Record. Miserere traz, em poemas, seus diálogos com Deus. A Bíblia nos considera miseráveis pecadores, carentes da graça do Senhor, e que somente através de Cristo, o Filho de Deus, é possível obter a salvação. Quem é Jesus em sua vida?
AP- Jesus Cristo é o mais espantoso acontecimento que é possível imaginar. Inesgotável mistério e maravilha. Um homem que se apresenta como Deus! Sua encarnação, morte e ressurreição são o sustento, a alegria, razão e o sentido de tudo. O amor na sua plenitude, o homem por excelência. Só a poesia pode chegar um pouquinho mais perto – a poesia e o amor.
CH- Muitos escritores dizem que o advento da internet, com suas múltiplas possibilidades de comunicação instantânea, empobrece a linguagem e os relacionamentos, sobretudo nas novas gerações. Você concorda com isso?
AP- Por enquanto, ainda há um grande deslumbramento com a internet e seus poderes. Acontecem realmente os empobrecimentos e uma brutalização nas relações ao vivo. Conto com o enfado, o cansaço, a esterilidade disso tudo até que a maquininha mágica fique apenas a real serviço do humano, como uma boa máquina de escrever. Até lá, que cuidemos de nós e de nossos jovens para que saibamos apagar televisão, internet, rádio e o que quer que seja quando estiverem postando lixo dentro de nossas cabeças.
CH- O fato de basear grande parte de sua obra na existência e relevância de Deus torna seu trabalho, de alguma forma, questionado nos dias de hoje?
AP- A questão religiosa incomoda sempre porque enfrentá-la leva ao compromisso. Apesar da enorme carência de significação e sentido, é mais fácil descartar o espiritual que abraçar os encargos da fé. Estamos em tempos difíceis e perigosos, vivendo como se não fôssemos morrer – ou como os pagãos, que dizem “comamos e bebamos, porque amanhã morreremos”.
CH- Aqueles que se dizem religiosos também agem assim?
AP- Muitos religiosos hoje, de todas as confissões, parecem mais “funcionários do sagrado” que ministros de Deus, tal a burocracia, a pressa, a ansiedade, o distanciamento que os envolve e os afasta dos fiéis. Perdem-se entre citações bíblicas, números de telefone e boletos bancários que lhes garantam prosperidade e sucesso. Camisetas, CDs, DVDs, água engarrafada do Jordão, amuletos mágicos, a paz que obterá se ligar tal número.
CH- Como pudemos chegar a esse ponto?
AP- Os vendilhões perderam a compostura; estão dentro do templo com a bíblia ideológica a seu favor. Chegamos a isso porque não vemos mais o Cordeiro degolado sobre a mesa, o sangue sobre as toalhas. Em seu tempo, Jesus já avisava: “O Pai busca adoradores em espírito e em verdade”, numa igreja interior, no coração de cada homem, que cumprirá toda a lei e os profetas se amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Mas, ao que parece, temos horror à simplicidade.
CH- E o que perdemos com isso?
AP- Perdemos os valores da humanização, que incluem desde os espirituais até os mais banais e necessários, como “com licença”, “muito obrigado”, “desculpe”, “por favor”. Morremos da pressa e da gula de aproveitar, aproveitar, levar vantagem em tudo. Precisamos voltar ao Evangelho com real atenção para seu ensinamento, onde o amor é princípio, meio e fim; no qual a paixão de Cristo deve ser vivida como a morte do egoísmo, a maior barreira para a paz, seja familiar ou entre os povos.
Cristianismo Hoje- leia entrevista completa
"Miserere" significa "Tende piedade de nós"
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