REPRODUÇÃO REVISTA ÉPOCA-
Na Vila Carrão, Zona Leste de São Paulo, a Copa chegou, mas não trouxe o passado de volta. Durante o jogo do Brasil com o México, na tarde da terça-feira, as ruas do bairro estavam vazias, e o comércio fechado. O clima de festa popular que costumava cercar as partidas do Brasil em Copas anteriores não deu sinal de vida desta vez. Nem na decoração. A exceção era a Rua Rogério Jorge, que o empresário Odair Alexandre Júnior, de 45 anos, vestiu cuidadosamente de verde e amarelo, como faz desde criança. “A Seleção é a Seleção”, diz ele, orgulhoso, na rua deserta. “Politicagem e protesto, só nas urnas.” Na semana anterior, quando o Brasil estreou na Arena Corinthians, a Vila Carrão, no caminho para o estádio, foi palco de confrontos violentos entre manifestantes e a polícia. “Parece que hoje todo mundo se escondeu em casa”, diz o despachante Alexandre Randmer, de 35 anos. Ele viu o jogo no quintal de casa, comendo uma feijoada em companhia dos amigos. “O pessoal deve estar com medo das manifestações.”
Vista pela televisão, cuja cobertura se concentra nos estádios, a Copa se transformou num colorido desfile de estrangeiros alegres e brasileiros emocionados. Em pontos de concentração boêmios, como a Vila Madalena, em São Paulo, ou nos espaços de festa da Fifa espalhados pelo país, também emerge uma atmosfera carnavalesca cada vez que o Brasil entra em campo. Mas isso não significa que a Copa tenha incendiado o país. Quando se anda pelas ruas das grandes cidades brasileiras, fica claro que o país ainda não deixou para trás o espírito crítico de junho, que se traduziu no slogan “Não Vai Ter Copa”. Teve Copa, o time deFelipão entrou em campo, mas a torcida, assim como os atacantes brasileiros, ainda hesita.
“O Mundial nunca mais será a celebração nacional que costumava ser em 1950 e 1970”, afirma Ronaldo Helal, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, um dos pioneiros na sociologia do esporte no país. “A Seleção Brasileira não é mais, como no passado, a representação da ‘pátria de chuteiras’. Houve um amadurecimento da sociedade.” Embora louvável, a separação entre o fervor futebolístico e o cívico entristeceu o evento. O escritor e jornalista inglês Alex Bellos, que morou cinco anos no Brasil, diz que nunca viu os brasileiros tão contidos em relação à Seleção. “As ruas não estão enfeitadas, as pessoas não estão eufóricas. Só há festas onde estão os estrangeiros”, diz ele. Em Londres, antes da Olimpíada de 2012, Bellos diz que havia ressentimento com os gastos e má vontade em relação ao evento. Mas isso mudou com os resultados esportivos. Será o mesmo no Brasil, se a Seleção, finalmente, encantar?
Em prol da virada de humor dos brasileiros há três fatores claramente discerníveis. Primeiro, uma Copa que, futebolisticamente, tem sido maravilhosa, com jogos empolgantes e muitos gols. Segundo, a ausência de graves problemas de organização ou infraestrutura durante o evento, que poderiam envergonhar os brasileiros diante do mundo. Por fim, o avanço da Seleção Brasileira no torneio, mesmo que sem brilho. A cada partida se canta o Hino Nacional com mais fervor – e, a cada jogo, aumenta a torcida. “Não é porque torço pela Seleção que sou alienado. As pessoas estão perdendo a vergonha de torcer, perdendo a vergonha de ser felizes”, afirma Édison Gastaldo, antropólogo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Matéria reproduzida da Revista Época.globo.com publicada em 26/06/14- leia na íntegra aqui
Foto:internet